Encontrei um texto em que resumo muitas das coisas que penso e que acredito sobre o tratamento do diabetes em nosso País.
Muitas coias já estão acontecendo,. Outras ainda estão paradas. Gostaria que lessem e que pensassem o que cada um de vocês podem fazer para nos ajudar a alcançar a melhoria do tratamento do diabetes em todo o país.
Acredito que é impossível avaliar uma tecnologia em saúde sem ouvir o principal beneficiário desta tecnologia que somos nós, os pacientes, ou no caso das crianças e jovens, seus pais. Tenho diabetes há 35 anos e posso dizer sobre minha experiência com os tratamentos que usei ao longo da vida. As pessoas que tem diabetes sabem muito bem como é viver diariamente dependentes do tratamento que lhes é prescrito pelo médico e disponibilizado pelo Governo. Os médicos sabem sobre a nossa patologia e sobre os efeitos das drogas atuais e os avanços que as novas tecnologias em saúde tem sobre nosso organismo. E a fonte pagadora, deve considerar o benefício em escala e com uma visão a longo prazo como um investimento capaz de transformar o cenário atual do diabetes no Brasil. Um bom exemplo foi o processo para a incorporação das insulinas análogas de ação rápida no rol de medicamentos do SUS. A Sociedade Médica e as associações de pacientes vinham se manifestando há anos a favor da incorporação através de pesquisas e estudos sobre as vantagens e benefícios destes medicamentos para o controle do diabetes tipo 1. Este tipo de diabetes, que é o meu, atinge cerca 88.300 pessoas entre crianças e jovens no Brasil, segundo o Atlas da Federação Internacional de Diabetes de 2017, sendo o terceiro maior número de pessoas no mundo após os Estados Unidos e a Índia.
O diabetes impacta não somente a vida da pessoa que tem a doença mas também as pessoas que vivem a sua volta. Uma mãe que tem um filho pequeno com diabetes, ainda que aprenda sobre o tratamento do seu filho precisará fazer a função do pâncreas do seu filho para que ele consiga ir para a escola, se desenvolver e ter uma vida saudável.
Somente quem vive o diabetes em si mesmo ou cuida de alguém com diabetes sabe como vivemos numa corda bamba para manter o controle da glicemia. Os medicamentos que temos hoje não possibilitam a qualidade de vida que todos merecemos. Um dos principais desafios que enfrentamos nas associações de pacientes é garantir a aderência do paciente ao tratamento. Com a incorporação das insulinas análogas que tornam o controle mais estável, sem picos de hipoglicemia e com a diminuição das hipoglicemias com um trabalho efetivo de educação em diabetes podemos reverter este quadro. Por isso que em 2016 quando conseguimos levar à CONITEC, mais uma vez, a proposta para a incorporação das insulinas análogas de ação rápida e, mais uma vez, soubemos que o parecer foi desfavorável a esta incorporação, fizemos na Consulta Pública, um esforço conjunto com a Sociedade Brasileira de Diabetes, as associações de diabetes e pedimos para que os próprios pacientes se manifestassem sobre os benefícios que estas insulinas trouxeram em suas vidas. Mostramos como era importante disponibilizar esta alternativa de tratamento para todos os que precisam. A história virou um case da Conitec por ter recebido uma das maiores quantidades de contribuições da sociedade..
- Por que? Porque representa um avanço para crianças e adolescentes pois melhoram o controle glicêmico, reduzindo os riscos de hipoglicemias graves e noturnas (Grande temor dos pais!) , quando comparadas à insulina humana regular que já é distribuída no SUS.
- Para o Ministério da Saúde, não haviam evidências científicas que comprovassem a eficácia destes medicamentos. Mas os pacientes sabiam de sua eficácia e muitos, pela primeira vez, participaram de uma Consulta Pública.
- O Conitec reverteu sua decisão e recomendou a incorporação desta tecnologia em janeiro de 2017. O que deveria já ter sido disponibilizado à população, chegou para a população com bastante atraso mas….chegou.
Mas não basta termos novas tecnologias à nossa disposição no SUS. Precisamos ter uma quantidade de endocrinologistas capaz de avaliar e reavaliar os pacientes, interessados a encontrar formas para que os avanços alcancem todos os que estão dispostos a cuidar melhor do diabetes.
O paciente também precisa conhecer e entender como os avanços podem mudar sua vida e como ele próprio pode mudar sua história com o diabetes. O emponderamento do paciente quer dizer: “eu fui educado sobre minha condição de saúde e estou capacitado para gerenciar ela, com o apoio indispensável da família, da sociedade, dos profissionais de saúde e do poder público.”
- Segundo a minha experiência e pela vivência de outras tantas pessoas que experimentam o uso dos análogos de insulina de longa duração, o ganho para o paciente e toda a família é exponencialmente maior do que a administração da insulina NPH. Acreditamos que cada paciente deve ser tratado de forma individualizada conforme a indicação do seu médico especialista na área que o assiste. Se o médico indica o uso das análogas de insulina de ação lenta, por saberem através de atualizações profissionais, sobre as vantagens de desempenho e redução de efeitos colaterais, nós, pacientes, acatamos e o Ministério da Saúde não deveria discordar da classe médica.
- Você sabia que 80% dos pacientes apresentam o controle glicêmico insatisfatório (hemoglobina glicada, HbA1c acima de 7%) mesmo em tratamento com endocrinologistas? Você sabe que existe uma regra das metades, ou seja, de todos os diabéticos que existem, metade sabe que tem diabetes e destes, metade consegue cuidar adequadamente do diabetes. Conclusão? o controle glicêmico não depende somente do médico ou dos tratamentos. Precisamos explorar outras formas para garantir a adesão ao tratamento do diabetes, focar numa política pública voltada para Educação em Diabetes e assistência multidisciplinar, senão estaremos “enxugando gelo”
- É impossível ter diabetes e não ter fitas para monitorar a glicemia. Mas isso acontece em muitos municípios do Brasil. A Sociedade Brasileira de Diabetes preconiza monitorização de glicose capilar para todos os usuários de insulina, ao menos 5 vezes ao dia, para pacientes com diabetes mellitus tipo 1 e ao menos 2 vezes ao dia para pacientes com diabetes mellitus tipo 2, totalizando 150 e 60 fitas ao mês, no mínimo). A falta de acesso a este material (fitas reagentes para medir glicemia capilar) coloca os pacientes em risco de hipoglicemia, podendo causar crises convulsivas, perda da consciência e morte de si mesmo e de terceiros, além de hiperglicemia. A hiperglicemia mantida por longo período de tempo, devido a faltas pontuais ou não do fornecimento do insumo na rede pública, traz graves sequelas: insuficiência renal, cegueira, danos macro e micro vasculares para a pessoa que convive com o diabetes, podendo torná-la incapacitada e dependente de procedimentos cada vez mais invasivos e onerosos para o SUS (hemodiálises, tratamentos oculares a base de laser e amputações, por exemplo). É preciso garantir o fornecimento contínuo das fitas para os pacientes com diabetes que usam insulina em todos os municípios do Brasil. O diabetes não se diferencia de uma cidade para a outra, de um estado para o outro, de uma região para a outra. O monitoramento da glicemia é pré-condição para a insulinoterapia. Então não poderá faltar fitas para quem usa insulina. Nunca, em lugar algum do país.
- Por que não usar a terapia de bomba de insulina, se isto for o recomendado pelo médico que assiste o paciente com diabetes? Se o PCDT reconhece que “o esquema de aplicação da insulina visando mimetizar a secreção endógena de insulina” é a mais indicada. Qual terapia se aproxima mais do funcionamento do organismo humano? Justamente a que é contra-indiciada pela Conitec: a BISI (bomba de infusão subcutânea de insulina) em DM tipo 1 com objetivo de melhorar o controle glicêmico ou reduzir a ocorrência de hipoglicemias. Como diabética há 32 anos, tendo vivido por 30 anos usando as múltiplas injeções de insulina, diariamente, posso afirmar que o benefício é traduzido pelo controle glicêmico médio nos últimos dois anos em que estou com a bomba de insulina e sistema de monitoramento de glicemia contínuo de uma Hemoglobina Glicada média na faixa de 6,5% de, nos últimos 2 anos. Para quem tem indicação médica e para quem se adapta ao este tratamento, não tenho dúvidas de que é a melhor alternativa hoje para quem deseja viver livre das complicações causadas pelo diabetes, na difícil tarefa de manter o controle glicêmico a longo prazo. O Governo Brasileiro deveria considerar a BISI pelo SUS primeiramente para crianças e jovens e gestantes, a fim de garantir a saúde e bem estar desta população com DM1 que viverá por um longo tempo enfrentando o duelo com o controle glicêmico nesta doença que não apresenta cura, até o momento.
- MOTIVAÇÃO – Se “intervenções motivacionais” não se relacionam a um melhor controle glicêmico em pacientes com DM, não adianta os valores gastos com campanhas para mudanças de hábitos utilizando influenciadores na mídia. Minha experiência como vice-presidente de uma associação de pacientes, portadora de DM1 há 32 anos e blogueira em diabetes, ratifica justamente o contrário. Vejo a Educação em Diabetes e o uso de estratégias e discursos diferenciados de abordagem ao paciente para melhorar a adesão e compressão sobre o tratamento prescrito pelo médico como elementos poderosos de transformação. Não temos, ainda, resultados científicos destas ferramentas, mas não tenho dúvidas de que os grupos de apoio (online pelas redes sociais ou presenciais em vários formatos), a influência de pacientes com postura positiva e proativa frente à doença e a troca de experiências com pessoas de diferentes tempos de diagnóstico são fatores motivacionais extremamente poderosos para a aceitação do diagnóstico, algo indispensável para o bom curso da doença e a prevenção de complicações.
Estas são questões que acho um avanço no tratamento do diabetes no Brasil:
- Que o paciente DM tipo 1 deve ser atendidos preferencialmente por médico especialista (endocrinologista) em conjunto com a atenção primária para o ajuste de doses.
- Que o esquema intensivo com múltiplas doses de insulina administrado por médicos especialistas é eficaz em reduzir a freqüência de complicações crônicas do DM.
- Que há estreita ligação entre adesão ao tratamento e controle glicêmico: à medida que aderência ao tratamento aumenta, a HbA1c diminui.
- Abordagens psicológicas para melhoria de adesão provaram-se eficazes em reduzir a HbA1c: Por tratar-se de uma doença crônica, até o momento sem cura, de longa duração principalmente para crianças e jovens, que exige um grande esforço em termos disciplina e acompanhamento diário por parte da pessoa ou por seus responsáveis, 24 horas por dia, 7 dias por semana, para que não sofra por hipoglicemias ou hiperglicemias que podem causar risco e danos à vida. A exaustão vinculada ao tratamento do DM1 por um longo período certamente pode ser amenizada a partir de um tratamento psicológico envolvendo questões como culpa (diante de uma doença que até hoje não apresenta um motivo para o seu aparecimento em nossas vidas), vergonha, solidão, exclusão, pessimismo, cansaço etc.
- Precisamos de iniciativas que incentivem melhore a informação sobre o que podemos fazer para melhorar o acesso ao tratamento. Com isso, será menos gastos para o governo.
- A luta pelos direitos dos pacientes não tem mais volta, ou seja, cada vez mais os grupos vão se reunir para formar redes que pressionem o governo para ter acesso à saúde
- Não podemos deixar que pessoas morram devido às patologias, devido à falta de acesso aos insumos e medicamentos
- Precisamos unir forças para que o direito à saúde seja conquistado por todos, já que é uma lei brasileira, mas que muitas vezes não funciona na prática
- Precisamos fazer aos outros, aquilo que gostaríamos que fizessem por nós.
Sheila Regina de Vasconcellos
é jornalista, tem 35 anos de convivência com o diabetes tipo 1 e atua para ajudar outras pessoas a viver melhor com o diabetes. Foi selecionada pelo Bakken Invitation, prêmio da Fundação Medtronic, por usar a bomba de insulina desde 2015, o que melhorou sua qualidade de vida, e possibilitou que ela voltasse seu trabalho para apoiar sua comunidade. Faz parte do BCV Blue Circle Voices, um grupo de ativistas em Diabetes da Federação Internacional de Diabetes. Além disso, também participa do DEEP, da Novo Nordisk, um grupo de pacientes experts. Além deste blog, Sheila também tem outras páginas com conteúdo pessoal e sobre o diabetes: https://linktr.ee/sheiladiabetes. Confiram! Sigam! Curtam! Compartilhem!